quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Stick to the plan

Não é comum olhar para trás e ver-me invadido pela consciência de que o deveria ter feito de outra maneira. Por um lado (e pelo outro também) é-me difícil girar a cabeça num ângulo superior a noventa e três graus. Aos noventa e quatro tenho dores e aos noventa e cinco já arrisco um torcicolo. Depois, consciência é algo que não me costuma invadir (nem consciência nem outras badalhoquices, fique desde já o leitor sabendo). Porém, à medida que seguia a sua doutrina e me evadia rapidamente, não pude deixar de pensar que isto não poderia voltar a acontecer. A história, caro leitor, conta-se em duas penadas:
Eu, o Pacheco, o Fonseca e o Borges fazíamos um grupo inseparável. Daqueles, iguais a tantos outros, que se formam na infância e perduram durante a vida. Juntávamo-nos todos os dias para umas golfadas de tinto e umas mãos de sueca (chama-se Ingrid e as suas massagens são de ir aos céus). Aos sábados dávamos catequese e, aos domingos, após a missa, dedicávamo-nos a acções de solidariedade – solidarizávamo-nos uns com os outros e fazíamos uns palmanços, actuando sobre superfícies comerciais. Foi há cerca de um ano que vestimos os nossos fatos de tartaruga e nos encontrámos todos à porta da Worten do Vasco da Gama. Quero dizer... encontrámo-nos todos menos o Borges. Esperámos pacientemente e já passava meia-hora da hora combinada quando o vimos chegar no seu fato de tubarão. De imediato, ao vê-lo naquela figura, ferveu-nos o sangue (o que é notável quando estamos a falar de tartarugas) e partimos-lhe a cabeça, ralhando-lhe, em surdina, que assim não podia ser, que o fato de tubarão era para assaltos ao Continente, que ali dava muito nas vistas, que era uma bizarria e as pessoas iam estranhar. Equacionámos cancelar tudo mas o Borges defendeu-se, justificou que o seu fato de tartaruga ainda estava na lavandaria e só estaria pronto dali a duas horas, que não valia a pena ficar ali a assar tanto tempo à espera. Apoiou-se na abordagem furtiva que um tubarão sempre consegue, que ninguém daria por ele, que era uma alteração insignificante relativamente ao plano inicial e que tudo correria pelo melhor. Acabámos por, resignados, sucumbir aos seus argumentos e ao calor que já nos fazia suar em bica dentro das fatiotas. Entrámos na loja e de imediato nos dirigimos ao nosso objectivo: as máquinas de café. Carregámos as carapaças com o que podíamos e o Borges, à falta de carapaça, enfiou uma máquina na barbatana dorsal. Ao ver aquilo soube de imediato que a coisa não ia correr bem. Com a máquina lá dentro, a barbatana assemelhava-se à bossa de um camelo e, ao contrário de tartarugas e mesmo tubarões, camelos são coisas pouco comuns e que dão nas vistas em lojas de electrodomésticos. Ainda estava a produzir este raciocínio e já ouvia o segurança aos gritos, de passo acelerado, a dirigir-se a nós. A vantagem do fato de tartaruga é o elemento surpresa. Quando se espera um andar vagaroso, ver tartarugas a fugir a todo o gás torna-se surpreendente para a generalidade das pessoas, deixando-as atónitas e pregadas ao chão perante o fenómeno. O mesmo efeito não conseguiu causar o Borges no seu fato de tubarão. A estreiteza da cauda atabalhoava-lhe os movimentos, acabando mesmo por tropeçar nas barbatanas e estatelar-se aos pés da menina da caixa. Hoje, devido ao seu improviso, o Borges já não dá catequese aos sábados, não vai à missa aos domingos e ao invés de copos e sueca, preocupa-se antes com a sua cueca, que aqueles marmanjos que com ele partilham a cela insistem em tentar tirar.

Voltei a lembrar-me desta triste história quando vi a segunda parte do jogo entre o Sporting e o Rio Ave. Quando decidiu alterar o plano inicial, Sá Pinto fez-me lembrar o Borges. Substituiu o processo habitual pelo improviso e, tal como o Borges, deu-se mal. Concordo com a ideia de jogo do Sá e é fundamental que ele se mantenha fiel à mesma. Ainda que a situação se revele complicada, o melhor caminho para o sucesso é mantermo-nos fiéis ao plano que traçámos, para mais quando tem tudo para dar certo (concordará o leitor que o golpe, só com tartarugas, era infalível). Sá Pinto ainda goza de crédito. Ainda bem. Mas é importante que não o desbarate com decisões erráticas em momentos de aperto. Caso o faça, tal como o Borges, ver-se-á em risco de sodomização. Não por companheiros de cela, mas pela fúria dos adeptos.

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